Lobos no Púlpito: Quando a Proteção Vira Predação

A imagem é poderosa e antiga: o pastor como guardião das ovelhas, símbolo de cuidado, guia e sacrifício. Mas e quando o pastor se revela um lobo?

Quando o púlpito, lugar de palavra e esperança, se transforma em covil de predadores? A metáfora bíblica dos "lobos devoradores" (Mateus 7:15) ecoa com uma urgência perturbadora nos corredores da fé contemporânea. É uma reflexão que fere, que incomoda, que precisa ser feita.

Lobos no Púlpito: Quando a Proteção Vira Predação

1. A Armadilha da Veste Sagrada:

O lobo no púlpito não surge com dentes à mostra. Ele veste a pele do cordeiro – ou melhor, a batina, o terno impecável, o sorriso cativante. Sua arma mais letal não é a agressividade explícita, mas a apropriação da linguagem sagrada.

Ele fala de amor, enquanto explora; de prosperidade, enquanto enriquece às custas dos fiéis; de verdade, enquanto manipula com meias-verdades e distorções. O púlpito lhe confere uma autoridade inquestionável, um véu de santidade que desarma a crítica e silencia as vítimas. Como questionar quem fala "em nome de Deus"?

2. A Ovelha Domesticada pela Exploração:

O que faz as ovelhas seguirem o lobo? Muitas vezes, é a sede de pertencimento e certezas. O falso pastor oferece respostas fáceis para dores complexas, promessas mirabolantes para desesperos silenciosos. Ele explora a vulnerabilidade emocional, o medo do inferno, a esperança de um milagre.

A ovelha, ferida ou confusa, entrega não só seu ouvido, mas seu bolso, seu tempo, sua capacidade de pensar criticamente. O lobo não devora apenas o recurso material; ele devora a autonomia espiritual, a confiança na própria intuição, a capacidade de discernir. Ele cria um ciclo de dependência doentia, onde a salvação é medida pela fidelidade ao líder, não ao Evangelho.

3. O Silêncio Cúmplice do Rebanho e do Sistema:

O lobo no púlpito raramente age sozinho. Ele é sustentado por uma estrutura de poder que prioriza a instituição sobre o indivíduo. Denúncias são abafadas para "não escandalizar os fracos", "proteger a obra de Deus" ou, cinicamente, para preservar o dízimo e a influência.

Membros da liderança que suspeitam calam-se por medo, conveniência ou cumplicidade passiva. O rebanho, muitas vezes, se torna guardião do lobo, atacando quem ousa questionar o "ungido do Senhor". A cultura do silêncio é o solo fértil onde a predação floresce. É mais fácil acusar a ovelha ferida de "rebelde" ou "amargurada" do que confrontar o lobo que a dilacerou.

4. O Paradoxo da Fé Ferida:

A tragédia maior? O lobo no púlpito não apenas rouba recursos e dignidade; ele profana a própria fé. Deixa cicatrizes profundas na alma de quem buscou refúgio e encontrou exploração. Gera ceticismo, dor, afastamento de Deus.

Como confiar em qualquer pastor depois de ser devorado por um que usava o mesmo título? Como não associar o sagrado ao abuso? O dano vai além do individual; ele contamina a percepção coletiva do divino, tornando o caminho espiritual um campo minado de desconfiança.

Onde Está o Verdadeiro Discernimento?

A reflexão sobre os lobos no púlpito é um espelho crítico para todos nós. Não basta apontar o dedo para os escândalos alheios. Onde está nosso discernimento? Estamos buscando pastores que nos confirmem em nossas comodidades ou guias que nos desafiem a crescer, mesmo quando dói? Estamos dispostos a questionar a autoridade quando ela se torna autoritária? A defender o fraco, mesmo que isso signifique confrontar o "forte"? Estamos mais preocupados em proteger a imagem da instituição do que em proteger as ovelhas que a compõem?

Os lobos existem, e existem porque o ambiente lhes é favorável. Eles prosperam na passividade espiritual, na veneração cega da liderança, no medo de questionar. A verdadeira proteção contra os lobos não vem de mais dogmas ou muros institucionais, mas de um rebanho acordado, que conhece a voz do verdadeiro Pastor (João 10:27) e tem a coragem de dizer "não" aos que, disfarçados, vêm para roubar, matar e destruir. A pergunta que fica é: estamos dispostos a ser esse rebanho? Ou continuaremos a alimentar, com nosso silêncio e nossa submissão acrítica, os lobos que se postam, impunes, diante de nós? 

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