O Que a Bíblia diz Sobre Deus? Um Guia Completo Sobre Seus Nomes, Atributos e Caráter
Introdução: Como Podemos Conhecer um Deus Infinito?
A busca por compreender o divino é uma das mais antigas e profundas inquietações da alma humana. Como seres finitos, limitados pelo tempo e pelo espaço, como podemos sequer começar a entender um Deus que é, por definição, infinito, eterno e transcendente? A resposta que as Escrituras Sagradas oferecem é clara: só podemos conhecer a Deus porque Ele escolheu se revelar a nós. Este ato de autorrevelação divina não é um monólito, mas um desdobramento progressivo e multifacetado, que culmina na pessoa de Jesus Cristo.
A Bíblia apresenta dois canais principais através dos quais
Deus se dá a conhecer.
A Revelação Geral de Deus: Esta é a revelação
acessível a todas as pessoas, em todos os tempos e lugares. Deus manifesta Sua
existência e poder de duas formas universais:
- Na
Natureza: A grandiosidade, a ordem e a complexidade do universo são um
testemunho eloquente do seu Criador. Como afirma o salmista, “Os céus
proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”
(Salmo 19:1). O apóstolo Paulo ecoa essa verdade, afirmando que os
atributos invisíveis de Deus, como seu eterno poder e divindade, “são
claramente vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as
coisas criadas”. Essa revelação torna a humanidade indesculpável em
sua ignorância de Deus.
- Na
Consciência Humana: Deus também se revela internamente, através da
consciência moral inata em cada ser humano. A Bíblia descreve isso como a
lei de Deus “gravada em seus corações”, com a própria consciência
dando testemunho de um padrão moral transcendente.
A Revelação Especial de Deus: Embora a revelação
geral seja suficiente para demonstrar que Deus existe, ela é insuficiente para
nos dizer como podemos ser salvos e ter um relacionamento com Ele. Por isso,
Deus se revelou de maneiras mais diretas e específicas ao longo da história.
- Através
dos Profetas e das Escrituras: Em momentos específicos, Deus falou
através de profetas, homens movidos pelo Espírito Santo, cujas palavras
foram registradas nas Escrituras. A Bíblia não é, portanto, um livro de
especulações humanas sobre Deus, mas o registro da Palavra de Deus para a
humanidade.
- Em
Jesus Cristo, a Revelação Suprema: O clímax de toda a revelação divina
é uma pessoa: Jesus Cristo. Ele não é apenas mais um profeta na longa
linha de mensageiros; Ele é a mensagem. O Novo Testamento o apresenta como
“a imagem do Deus invisível” (Colossenses 1:15) e a “exata
expressão do seu Ser” (Hebreus 1:3). Em Jesus, o Verbo se fez carne e
habitou entre nós, revelando a glória do Pai. Conhecer a Jesus é,
portanto, conhecer o Pai.
Toda a narrativa bíblica sobre a revelação de Deus não é uma coleção de fatos aleatórios, mas uma história unificada que avança em direção a um ponto focal: Jesus Cristo. O Antigo Testamento prepara o caminho, e o Novo Testamento revela o cumprimento Nele. Portanto, qualquer tentativa de responder à pergunta "O que a Bíblia diz sobre Deus?" deve ser fundamentalmente cristocêntrica, vendo em Cristo a chave que desvenda todo o mistério divino.
Os Nomes de Deus: Janelas para o Seu Caráter
Na cultura hebraica antiga, um nome era muito mais do que
uma simples etiqueta de identificação. Ele representava a essência, o caráter e
a reputação da pessoa. Quando Deus revela Seus nomes na Bíblia, Ele está, na
verdade, abrindo janelas para que possamos vislumbrar diferentes facetas de Sua
natureza infinita. Estudar Seus nomes é uma forma direta de estudar quem Ele é.
YHWH (Javé): O Nome da Aliança do "EU SOU"
O nome mais pessoal e sagrado de Deus no Antigo Testamento é
o tetragrama יהוה (YHWH),
que aparece mais de 6.800 vezes. Sua pronúncia exata se perdeu no tempo, pois,
por reverência, os judeus deixaram de pronunciá-lo, substituindo-o pela palavra
Adonai (Senhor) durante a leitura das Escrituras. Essa tradição
levou muitas traduções da Bíblia a representarem YHWH como
"SENHOR", em letras maiúsculas, para distingui-lo de Adonai.
- Significado
Profundo: Este nome foi revelado a Moisés na sarça ardente como ’ehyeh
’asher ’ehyeh, que se traduz como "EU SOU O QUE SOU"
(Êxodo 3:14). Este nome comunica verdades profundas sobre Deus:
- Autoexistência
e Eternidade: Ele não foi criado e não depende de nada nem de ninguém
para existir. Ele é o Ser autoexistente, sem princípio nem fim.
- Imutabilidade:
Seu caráter e Suas promessas são constantes e imutáveis.
- Presença
Ativa: Não é um nome estático, mas dinâmico. Significa "Aquele
que é" e "Aquele que será", implicando Sua presença
contínua e ativa com Seu povo, pronto para salvar, perdoar e guiar. É o
nome da aliança, o nome do Deus que se relaciona com Seu povo.
A forma "Jeová", que aparece em algumas traduções,
é uma transliteração posterior, resultante da combinação das consoantes de YHWH
com as vogais de Adonai. Embora popular, não é considerada a forma mais
precisa pelos estudiosos, que preferem "Javé" ou "Yahweh".
Elohim: O Deus Criador, Poderoso e Plural
Diferente de YHWH, Elohim (אֱלֹהִים) não é um nome
pessoal, mas um título que descreve a majestade e o poder de Deus. A palavra
deriva da raiz El, que significa "poder" ou "força".
- Significado:
Elohim é o título usado logo no primeiro versículo da Bíblia:
"No princípio, criou Deus [Elohim] os céus e a terra" (Gênesis
1:1). Ele designa Deus como o Criador poderoso e forte, cuja
palavra soberana traz o universo à existência.
- A
Forma Plural: Gramaticalmente, Elohim é uma palavra no plural.
Em muitos contextos, isso funciona como um "plural de
majestade", uma forma hebraica de intensificar um conceito,
significando "o Deus supremo" ou "Deus por
excelência". No entanto, a teologia cristã também vê nesta forma
plural uma das primeiras e veladas sugestões da doutrina da Trindade.
Essa pluralidade gramatical permite que Deus se refira a Si mesmo como
"nós" em passagens cruciais como Gênesis 1:26: "Façamos
o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança".
A escolha entre YHWH e Elohim pelos autores bíblicos é
teologicamente deliberada. Quando a ênfase está no poder criador e na soberania
universal de Deus, Elohim é frequentemente usado. Quando o foco está em
Seu relacionamento de aliança, fidelidade e salvação para com Seu povo, YHWH é
o nome de eleição. Esta distinção, muitas vezes perdida nas traduções, revela
uma profundidade notável no texto original.
Adonai, El Shaddai e Outros Títulos Reveladores
Além de YHWH e Elohim, a Bíblia usa vários outros títulos
que iluminam aspectos específicos do caráter de Deus.
- Adonai:
Significa "Senhor", "Mestre" ou "Soberano".
Enfatiza a autoridade absoluta de Deus e a nossa posição como Seus servos,
que Lhe devem obediência e reverência.
- El
Shaddai: Traduzido como "Deus Todo-Poderoso". Este
nome, revelado a Abraão em Gênesis 17:1, fala do poder supremo e da
suficiência de Deus para cumprir Suas promessas, mesmo quando parecem
impossíveis.
- Nomes
Compostos: Frequentemente, o nome da aliança YHWH é combinado com um
verbo ou substantivo para comemorar um ato específico de Deus na história
de Israel, revelando o que Ele faz por Seu povo.
- YHWH-Jireh:
"O Senhor Proverá", nomeado por Abraão quando Deus proveu um
carneiro para o sacrifício no lugar de Isaque (Gênesis 22:14).
- YHWH-Rafa:
"O Senhor que Sara", revelando Deus como Aquele que cura o
corpo e a alma (Êxodo 15:26).
- YHWH-Nissi:
"O Senhor é a Minha Bandeira", comemorando a vitória de Deus
sobre os amalequitas (Êxodo 17:15).
- YHWH-Shammah:
"O Senhor está Ali", o nome profético para a futura Jerusalém,
onde a presença de Deus habitará gloriosamente (Ezequiel 48:35).
Nome/Título Hebraico |
Transliteração |
Significado Principal |
Referência Bíblica Chave |
יהוה |
YHWH (Javé) |
O Eterno, Autoexistente, "EU SOU" |
Êxodo 3:14 |
אֱלֹהִים |
Elohim |
Deus Criador, Poderoso e Forte |
Gênesis 1:1 |
אֲדֹנָי |
Adonai |
Senhor, Mestre, Soberano |
Gênesis 15:2 |
אֵל שַׁדַּי |
El Shaddai |
Deus Todo-Poderoso, O Suficiente |
Gênesis 17:1 |
יהוה יִרְאֶה |
YHWH-Jireh |
O Senhor Proverá |
Gênesis 22:14 |
יהוה רֹפְאֶךָ |
YHWH-Rafa |
O Senhor que Sara |
Êxodo 15:26 |
יהוה נִסִּי |
YHWH-Nissi |
O Senhor é a Minha Bandeira |
Êxodo 17:15 |
יהוה שָׁלוֹם |
YHWH-Shalom |
O Senhor é Paz |
Juízes 6:24 |
יהוה צִדְקֵנוּ |
YHWH-Tsidkenu |
O Senhor, Justiça Nossa |
Jeremias 23:6 |
יהוה שָׁמָּה |
YHWH-Shammah |
O Senhor está Ali |
Ezequiel 48:35 |
Os Atributos de Deus: Quem Ele É em Sua Essência
Se os nomes de Deus são janelas para o Seu caráter, Seus
atributos são a própria luz que brilha através delas. Os teólogos
tradicionalmente dividem os
atributos de Deus em duas categorias para facilitar o estudo: os
incomunicáveis e os comunicáveis.
A Majestade Incomunicável de Deus (Atributos Exclusivos)
Estes são os atributos que pertencem somente a Deus. Eles
marcam a distinção infinita entre o Criador e a criatura, destacando Sua
grandeza e majestade absolutas.
- Onipotência
(Todo-Poderoso): Deus possui todo o poder. Sua capacidade é ilimitada
para fazer tudo o que deseja, desde que seja consistente com Sua própria
natureza santa e perfeita. Ele não pode mentir, pecar ou negar a Si mesmo.
Seu poder se manifesta na criação do universo, na realização de milagres e
na sustentação de todas as coisas a cada momento. “Para o homem é
impossível, mas para Deus todas as coisas são possíveis” (Mateus
19:26).
- Onisciência
(Todo-Conhecimento): Deus conhece todas as coisas — passadas,
presentes e futuras; reais e potenciais — de forma completa, simultânea e
sem esforço. Nada O surpreende. Ele conhece nossos pensamentos mais
íntimos antes mesmo que se tornem palavras. Para o crente, Sua onisciência
é uma fonte de profundo conforto, pois Ele conhece nossas dores e
necessidades. Para todos, é um chamado à responsabilidade, pois nenhum ato
ou pensamento está oculto aos Seus olhos. “Grande é o nosso Senhor, e
de grande poder; o seu entendimento é infinito” (Salmo 147:5).
- Onipresença
(Presente em Todo Lugar): Deus transcende o espaço e está plenamente
presente em todos os lugares ao mesmo tempo. É impossível fugir de Sua
presença, seja no céu, na terra ou nas profundezas. Como Ele é Espírito,
Sua presença não é física ou dimensional, mas uma realidade de Seu ser e
poder que preenche toda a criação. “Para onde poderia eu escapar do teu
Espírito? Para onde poderia fugir da tua presença?” (Salmo 139:7-8).
- Imutabilidade
e Eternidade: Deus é imutável, ou seja, Ele não muda em Seu ser,
perfeições, propósitos e promessas. Isso não significa que Ele seja
estático ou impassível, mas que Seu caráter é perfeitamente consistente e
confiável. Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre (Hebreus 13:8). Ele
também é eterno, existindo fora das limitações do tempo, sem começo nem
fim. “Tu, porém, és o mesmo, e os teus anos jamais terão fim”
(Salmo 102:27).
O Caráter Comunicável de Deus (Atributos Refletidos em Nós)
Estes são os atributos morais de Deus que, de forma finita e
imperfeita, Ele compartilha com a humanidade, criada à Sua imagem. Eles formam
o alicerce da ética e da vida cristã.
- Deus
é Amor: A Natureza de Ágape e Hesed A afirmação "Deus
é amor" (1 João 4:8) é uma das mais profundas de toda a
Escritura. A Bíblia usa principalmente duas palavras ricas para descrever
esse amor:
- Ágape
(Amor Incondicional e Sacrificial): Esta palavra grega, central no
Novo Testamento, descreve um amor que não se baseia em sentimentos ou no
mérito do amado, mas em uma decisão da vontade. É um amor ativo, abnegado
e sacrificial, que busca o bem do outro a qualquer custo. É distinto do
amor de amizade (philia) e do amor romântico (eros). A
demonstração máxima do ágape divino é encontrada em João 3:16: “Porque
Deus amou [agapao] o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito”. Este é o amor que os cristãos são chamados a imitar.
- Hesed
(Amor Leal e Misericordioso): Esta palavra hebraica é tão rica que
nenhuma palavra única em português pode capturar seu significado
completo. Hesed combina as ideias de amor, lealdade, bondade,
graça e misericórdia inabalável. Está intrinsecamente ligada à
aliança (berith) de Deus com Seu povo. O hesed de Deus é
Sua fidelidade pactual que persiste mesmo quando Seu povo é infiel. É a
força motriz por trás de Seus atos de redenção em todo o Antigo
Testamento. Quando Deus se descreve a Moisés, Ele se apresenta como “rico
em hesed” (Êxodo 34:6).
- Deus
é Santo: A santidade é talvez o atributo mais fundamental de Deus, a
essência de Sua "alteridade". Significa que Ele é absolutamente
puro, perfeito e totalmente separado de todo pecado e mal. Sua presença
consome a impureza. A santidade de Deus não é apenas um atributo, mas o
próprio ambiente do céu. É o padrão para Seu povo: “Sede santos, porque
eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo” (Levítico 19:2).
- Deus
é Justo: A justiça de Deus significa que Suas ações e decisões estão
sempre em perfeita conformidade com o que é reto e verdadeiro. Ele é o
Juiz perfeito, que não pode ser subornado e que não inocentará o culpado.
Sua justiça exige que o pecado seja punido, o que estabelece a necessidade
teológica de um sacrifício expiatório.
A análise desses atributos revela uma aparente tensão: como
um Deus que é perfeitamente justo, e que deve punir o pecado, pode também ser
perfeitamente amoroso e misericordioso, desejando perdoar? Se Ele simplesmente
perdoa, Sua justiça é comprometida. Se Ele apenas pune, onde está Seu amor?
Esta tensão não é uma contradição no caráter de Deus, mas um mistério profundo
que encontra sua resolução em um único ponto da história: a cruz de Jesus
Cristo. Na cruz, a justiça de Deus é plenamente satisfeita, pois o pecado da
humanidade é julgado e punido na pessoa de Cristo. Ao mesmo tempo, o amor ágape
e a misericórdia hesed de Deus são magnificamente demonstrados, pois é o
próprio Deus quem provê o sacrifício. A cruz é, portanto, o palco onde a
justiça e a misericórdia se beijam (Salmo 85:10), revelando a perfeita harmonia
do caráter de Deus.
O Deus Triúno: Pai, Filho e Espírito Santo
A doutrina da Trindade é o coração da teologia cristã.
Embora a palavra "Trindade" não se encontre na Bíblia, o conceito é
ensinado de Gênesis a Apocalipse. A doutrina afirma que existe um único Deus
, que subsiste eternamente em três Pessoas distintas, coiguais e coeternas:
o Pai, o Filho (Jesus Cristo) e o Espírito Santo. Eles são um em essência,
natureza e ser, mas distintos em suas pessoas e papéis.
- Evidências
Bíblicas:
- Indícios
no Antigo Testamento: A doutrina é sugerida de forma velada no Antigo
Testamento através do uso do nome plural Elohim , das referências
de Deus a Si mesmo como "nós" (Gênesis 1:26) , e em passagens
onde as três Pessoas parecem ser mencionadas, como em Isaías 48:16 e
61:1.
- Revelação
Clara no Novo Testamento: A Trindade é claramente revelada no Novo
Testamento. O batismo de Jesus é um momento trinitário por excelência: o
Filho está na água, o Espírito desce como pomba e a voz do Pai ecoa dos
céus (Mateus 3:16-17). A Grande Comissão ordena o batismo no nome
(singular) do Pai, do Filho e do Espírito Santo, afirmando sua unidade e
igualdade (Mateus 28:19). Bênçãos apostólicas, como a de 2 Coríntios
13:13, também unem as três Pessoas.
- As
Funções da Trindade na Salvação: Embora as três Pessoas da Trindade
atuem em unidade em todas as obras de Deus, como a criação , a Bíblia
destaca seus papéis distintos no plano da redenção:
- O
Pai: É o Arquiteto, o Planejador da salvação. Ele elege, predestina,
ama o mundo e envia o Filho como Redentor.
- O
Filho: É o Executor, o Agente da salvação. Ele se encarna, vive uma
vida perfeita, morre na cruz para expiar os pecados, ressuscita
vitoriosamente e intercede por nós.
- O
Espírito Santo: É o Aplicador da salvação. Ele convence o mundo do
pecado, regenera o coração do crente, aplica a obra de Cristo, sela o
salvo para a herança eterna e o capacita para uma vida de santidade.
A doutrina da Trindade não deve ser vista como uma
contradição matemática (1 = 3), mas como a revelação da natureza relacional de
Deus. Antes da criação, Deus não era um ser solitário; Ele existia como uma
comunidade perfeita de amor, honra e glorificação mútua entre o Pai, o Filho e
o Espírito. Isso significa que o amor não é uma invenção ou um atributo
secundário, mas algo eterno, que existe na própria essência do ser de Deus. A
Trindade revela que, em seu nível mais fundamental, a realidade é relacional,
fornecendo o paradigma supremo para o amor e a comunidade humana.
As Ações de Deus na História: Seus Papéis Fundamentais
A Bíblia não apresenta Deus apenas em termos de Seus
atributos abstratos, mas principalmente através de Suas ações na história. Seus
papéis como Criador, Legislador, Juiz e Redentor não são contraditórios, mas
facetas integradas de um único e soberano propósito que se desenrola de Gênesis
a Apocalipse.
Deus como Criador e Sustentador do Universo
- Criador:
A narrativa bíblica começa com Deus como a causa primeira de tudo o que
existe. Ele cria o universo ex nihilo (a partir do nada) pelo poder
de Sua Palavra. A criação não é um acidente, mas um ato intencional que
reflete a glória, a sabedoria e o poder de seu Autor. O Novo Testamento
revela que o agente divino da criação foi o Filho, Jesus Cristo, afirmando
que "tudo foi criado por Ele e para Ele" (Colossenses
1:16).
- Sustentador:
A obra de Deus não terminou na criação. Ele não é um
"relojoeiro" distante que deu corda no universo e o abandonou.
Pelo contrário, Ele está ativa e continuamente sustentando cada partícula
e cada momento da existência. Sem Seu poder sustentador, o universo
mergulharia no caos. Essa obra de sustentação também é atribuída
especificamente a Cristo, em quem "tudo subsiste" e que
"sustenta o Universo com a sua palavra poderosa" (Hebreus 1:3).
Deus como Legislador e Justo Juiz
- Legislador:
Como o Criador santo e justo, Deus tem o direito e a autoridade para
estabelecer a lei moral que governa Sua criação. Essa lei é um reflexo de
Seu próprio caráter perfeito. A expressão mais clara disso é a entrega da
Lei a Moisés no Monte Sinai, incluindo os Dez Mandamentos. A Lei não era
meramente um código de conduta, mas um guia para o relacionamento de
aliança entre um povo pecador e um Deus santo. Jesus é apresentado como o
Legislador supremo, que não aboliu a Lei, mas a cumpriu e aprofundou seu significado,
interiorizando-a no coração (Mateus 5-7).
- Juiz:
Porque Deus é justo e Sua lei é santa, Ele deve julgar toda violação dessa
lei. O julgamento divino é um tema recorrente em toda a Bíblia.
- Julgamentos
Históricos: A destruição de Sodoma e Gomorra é um exemplo vívido do
juízo de Deus sobre a maldade desenfreada. No entanto, mesmo nesse
relato, Sua misericórdia é evidente em Seu diálogo com Abraão e em Sua
disposição de poupar a cidade por causa de poucos justos.
- O
Juízo Final: A história humana culminará em um juízo final, onde cada
pessoa comparecerá perante o "tribunal de Cristo" para prestar
contas de sua vida. A Bíblia designa Jesus Cristo como o Juiz de vivos e
de mortos, que julgará o mundo com justiça.
Deus como Redentor: O Fio Condutor da Bíblia
O papel mais central de Deus na narrativa bíblica é o de Redentor.
Este é o fio de ouro que une toda a Escritura, revelando um plano de salvação
concebido antes da fundação do mundo. Redenção significa "comprar de
volta" ou "libertar através do pagamento de um preço". O preço
pago pela redenção da humanidade foi o "precioso sangue de Cristo".
- A
Aliança (Berith) como Estrutura: O plano redentor de Deus não é
revelado de uma só vez, mas se desdobra progressivamente através de uma
série de alianças (ou pactos). Estas alianças não são planos
separados, mas estágios interligados de um único propósito redentor.
- A
Aliança Abraâmica (Gênesis 12, 15, 17) estabelece a promessa de
uma descendência (a "semente") através da qual todas as nações
da terra seriam abençoadas.
- A
Aliança Mosaica (Êxodo 19-24) estabelece Israel como a nação de
Deus e fornece a Lei, que, ao revelar a santidade de Deus e a
pecaminosidade do homem, demonstra a necessidade de um sacrifício
perfeito.
- A
Nova Aliança, profetizada em Jeremias 31:31-34, é finalmente
cumprida em Jesus Cristo. É uma aliança superior, selada com Seu sangue,
que oferece o perdão total dos pecados e escreve a lei de Deus não em
tábuas de pedra, mas nos corações de Seu povo.
- Uma
Alegoria Viva da Redenção: A história do profeta Oséias é uma das mais
comoventes e poderosas alegorias da redenção em toda a Bíblia. Deus ordena
que Oséias (cujo nome significa "salvação") se case com Gômer,
uma mulher infiel. A infidelidade de Gômer espelha a idolatria e a
infidelidade espiritual de Israel para com Deus. Quando Gômer abandona
Oséias e acaba como escrava, Deus ordena que ele a compre de volta,
redimindo-a da escravidão e restaurando-a como sua esposa. Esta história
dramatiza o amor redentor de Deus: um amor que persegue, que paga o preço
e que restaura o infiel, não por causa de qualquer mérito no amado, mas
por causa da natureza graciosa e fiel do Amante.
Os papéis de Deus como Criador, Juiz e Redentor formam uma
narrativa coerente. Como o bom Criador, Sua justiça O compele a ser o Juiz do
mal que corrompe Sua criação. Mas Seu propósito final não é a condenação, e sim
a redenção. Seu juízo serve ao Seu plano redentor, expondo a gravidade do
pecado e a nossa desesperada necessidade de um Salvador. A estrutura das
alianças bíblicas conecta esses papéis, mostrando um Deus que governa, julga e,
acima de tudo, age incansavelmente para redimir um povo para Si e, finalmente,
restaurar toda a criação sob o senhorio de Cristo.
Vivendo à Luz de Quem Deus É: Implicações Práticas
Conhecer o que a Bíblia diz sobre Deus não é um mero
exercício intelectual; é uma verdade que deve transformar radicalmente a
maneira como vivemos. A teologia não é um fim em si mesma, mas um meio para uma
vida de adoração, confiança e obediência.
- A
Adoração é Moldada por Seus Atributos: Um conhecimento verdadeiro de
Deus molda nossa adoração. Quando compreendemos Sua santidade,
nossa adoração se enche de reverência e temor. Quando meditamos em Seu amor
ágape e hesed, nossa adoração transborda de gratidão e
alegria. Quando reconhecemos Sua soberania e onipotência, nos
submetemos em confiança. Adoramos a Deus por quem Ele realmente é,
conforme revelado em Sua Palavra, e não uma projeção de nossos próprios
desejos ou uma imagem criada por nossa imaginação.
- A
Confiança é Fundamentada em Seu Caráter: A doutrina de Deus é o
alicerce da confiança do crente.
- Sua
onipotência e soberania nos dão a certeza de que nada acontece
fora de Seu controle, trazendo paz e segurança mesmo em meio às
tempestades da vida.
- Sua
onisciência nos conforta, pois Ele conhece nossas necessidades
mais profundas antes mesmo de orarmos, dando-nos confiança para nos
aproximarmos Dele.
- Sua
imutabilidade garante que Suas promessas são inabaláveis e Seu
caráter é perfeitamente confiável. Ele nunca falhará.
- A
Vida Cristã é um Reflexo de Seu Caráter: Fomos criados à imagem de
Deus e, através da redenção em Cristo, somos chamados a refletir Seu
caráter para o mundo.
- Porque
Deus é santo, somos chamados a uma vida de santidade, separados do
pecado.
- Porque
Deus é justo, somos chamados a praticar a justiça, a defender os
oprimidos e a viver com integridade.
- Porque
Deus é amor, o maior mandamento é amar a Deus e amar nosso próximo
com o mesmo amor sacrificial que Ele nos demonstrou.
- Porque
Deus é misericordioso, somos chamados a estender misericórdia e
perdão aos outros.
Conclusão: A Resposta Humana à Revelação de Deus
De Gênesis a Apocalipse, a Bíblia pinta um retrato majestoso
e multifacetado de Deus. Ele é o Criador transcendente, infinitamente poderoso,
santo e justo, diante de quem os anjos cobrem o rosto. Ao mesmo tempo, Ele é o
Redentor imanente e pessoal, que se inclina para fazer uma aliança com a
humanidade, que revela Seu nome da aliança, YHWH, e que, em um ato de amor
incompreensível, se torna um de nós em Jesus Cristo para nos comprar de volta
da escravidão do pecado.
Ele é o Deus Triúno — Pai, Filho e Espírito Santo —
existindo eternamente em uma comunidade perfeita de amor. Seus atributos, longe
de serem contraditórios, encontram sua harmonia perfeita na obra da cruz, onde
Sua justiça e misericórdia se encontram.
Diante de tal revelação, a resposta humana adequada não pode ser a indiferença ou o mero assentimento intelectual. A Bíblia nos chama a uma resposta de todo o ser: uma resposta de fé, confiando que Jesus Cristo é a revelação final e o único caminho para o Pai; uma resposta de arrependimento, nos afastando de nossa rebelião para nos voltarmos para Ele; e uma resposta de adoração, entregando nossas vidas em submissão grata ao Deus que nos criou, nos sustenta e nos redimiu. Conhecer o Deus da Bíblia é, em última análise, ser conhecido e transformado por Ele.